quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Quanto está valendo uma vida?

Carta enviada ao Jornal O Globo, em 21/01/2009, sobre a morte do estudante Vitor Muanis.


Quanto está valendo uma vida?

As notícias de vítimas de balas perdidas não abalam mais ninguém. Eu mesmo, leio, ouço, vejo e respiro notícias dessa natureza com a frieza de quem vive numa guerra, emoldurada por um paraíso. Sempre após a bala perdida vem a notícia do samba, da praia e do futebol. E com um sorriso cada vez menos amarelado, os repórteres falam de bunda, confete e cerveja. Não os culpo. Trata-se de uma defesa natural.

Aliás, por essas bandas, bala perdida nem é mais notícia. É acaso. Na terra de São Sebastião as chances de você ser alvejado por uma rajada de cocô de pombo na testa, são menores que as possibilidades de você ser atingido por um projétil de arma de fogo. Deve ser por isso que quando alguém é acertado por um cocô de pombo, dizem: “É sorte!”.
.
Sorte sua se você ainda lê, ouve, vê e respira casos e acasos de balas perdidas com indiferença. É sinal de que ninguém próximo a você engordou as estatísticas varridas pra debaixo do tapete do Poder Público. Pelo menos, ainda não.
.
Eu nem o conhecia bem. Era “namorado da amiga da namorada do meu irmão”. Provavelmente, a quantidade de nomes dentro das aspas contribuiu para que nunca passássemos muito do “Colé, beleza?”, “E aí, tranquilo?” nas cinco ou dez vezes que estivemos juntos.
.
Porém, três dias antes da fatalidade, nos encontramos, por acaso, num desses acasos da vida. Sem a presença de todos aqueles nomes inseridos nas aspas, estávamos mais próximos um do outro, o que nos permitiu passar um pouco do tradicional “Colé, beleza?”, “E aí, tranquilo?”. Percebi, então, que ele era um cara maneiro. Mais tarde, soube pelo meu irmão que não se tratava apenas de um “cara maneiro”. Era inteligente, responsável e colecionava amigos. Para mim, aqueles três minutos de conversa bastaram para que eu entrasse em sua coleção. Talvez, se não fossem aqueles três minutos, eu estaria recebendo a notícia com a mesma indiferença de sempre. Seria, pra mim, apenas mais um desses acasos da vida.
.
Não estou aqui para propor soluções. Não sei se existe alguma. Sei que amanhã este jornal estará embrulhando peixe na feira. Bunda, confete e cerveja! Enfim, desculpe estragar parte do seu dia. Só gostaria de dar um grito e chamar a atenção para a banalização da violência. Quanto está valendo uma vida? Cinco Reais, uma fechada no trânsito, uma noite mal dormida?
.
Perdeu-se mais um filho, um irmão, um namorado, um amigo. Pra quem fica, de alguma forma, é vida que segue. Só não se sabe até quando.


Rodrigo Amarante de Campos Cabral é ator, publicitário e toda vez que sai de casa, torce para ser acertado por um cocô de pombo.

Nenhum comentário: